sexta-feira, 5 de julho de 2013

Crack: uma pedra na saúde pública

A distância do vício do crack ela mantém há mais de um ano e oito meses. Mas o contato com a pedra e com alguns usuários ainda é diário. Rosângela Cândido Nascimento, 36 anos, nem sabe dizer quantas pessoas ela ajudou a tirar da rua, do vício do crack, desde que largou a droga e começou a atuar numa organização não governamental que tenta resgatar as pessoas dessas condições. E uma delas ela nunca vai esquecer: Adijefson Roseno, 28, "limpo" há seis meses e casado com Rosângela há um mês.



Os dois conheceram-se como viciados. Rosângela já tinha oito anos de uso de crack. Havia largado a vida para trás, incluindo as duas filhas. Vivia na rua, roubava e se prostituia. Encontrou Adijefson numa tentativa de se limpar, no Centro de Prevenção e Tratamento do Toxicômano (CPTT), em Vitória. "Ali conheci o amor da minha vida. Juntos, suportamos os momentos mais difíceis e conseguimos largar a droga. Saí antes, mas nunca deixei de crer que ele também conseguiria", conta Rosângela.

Tanto para Rosângela quanto para Adijefson, foi necessário ter muita paciência e força de vontade. Os dois sabiam do mal da droga, estavam cansados dela e das condições em que vivam. "O difícil é ter quem acredite em nós. Vi em Rosângela uma companheira, uma amiga, uma salvação. A ela, devo tudo em minha vida. A ela devo estar vivo", diz o apaixonado marido.


foto: Vitor Jubini
 ES - VitÃ?ria - Rosangela Candido, 36 anos, e Adijefeson Roseno, 28 anos, os dois sâ??o casados e juntos conseguiram se livrar do vÃ?cio de crack - Editoria: Cidades - Foto: Vitor Jubini
Rosângela e Adijefson conheceram-se nas ruas, como usuários de crack. Hoje, estão "limpos" e casados

Vontade

Nenhum dos dois foi internado à força. A vontade de largar o crack veio aos poucos, com convencimento na base do diálogo. Por isso a importância da paciência. Mas as duas histórias são apenas um pouco do que acontece na Grande Vitória. A Capital tem mais de 200 pessoas em situação de rua, e 30% assumem consumir crack. Em Vila Velha, a prefeitura afirma contabilizar 200 pessoas nas mesmas condições, e o percentual de uso do crack passa da metade entre os que vivem na rua.

São dezenas de casos que vieram à tona, quase que diariamente, neste 2011. Há histórias de filhos que bateram em pais ou mães para conseguir dinheiro e comprar mais uma pedra de crack; de mães desesperadas que acorrentam seus filhos; de profissionais renomados que perdem tudo para conseguir mais um trago no cachimbo. Histórias diversas, assim como as vítimas da droga que não escolhe idade, sexo, cor nem profissão.

O que fazer para tentar retirar essas pessoas dessas condições? Hoje, há modelos diferentes de atividades sendo desenvolvidas. São Paulo cansou da abordagem de rua, do trabalho feito à base de conhecimento (saber quem é o usuário) e de convencimento (tentar resgatá-lo dessa situação). Ali, onde a cracolândia tem mais de 2 mil pessoas, essa ação não dá o resultado esperado. A prefeitura estuda como solução uma lei que permita a internação compulsória (contra a vontade do usuário, com apoio judicial).

O Rio de Janeiro já adotou esse modelo desde abril. Retirou dezenas de crianças e de adolescentes das ruas, quase 100% viciadas em crack. Fora das ruas, próximos dos pais ou em lares para adoção (após passarem por tratamento médico adequado), os jovens ficam menos propensos a voltar às ruas, acredita o município.
Críticas

A ação é questionável. Alguns criminalistas veem-na como inconstitucional, por acreditarem que antes deve haver um processo legal para determinar se a pessoa é ou não capaz de tomar suas decisões. Além disso, defendem que a medida retira o direito das pessoas de ir e vir, fere os princípios da dignidade da pessoa humana. Os psiquiatras tendem a defender que a internação é prevista em lei (como internação involuntária) e que a decisão médica impede que o dependente continue colocando em risco a própria vida.

"Temos três casos de internação compulsória em Vitória. Um deles foi com uma grávida que tinha câncer e era soropositiva para HIV. Nós a internamos, com apoio judicial para o tratamento médico de tudo, a começar pela limpeza do organismo. Meses depois, ela morreu de câncer. Era tarde demais", conta Cristiano Luiz Ribeiro Araújo, coordenador do Serviço de Abordagem Social de Vitória.

Com a internação compulsória por questões médicas ele concorda. "Fizemos outras duas experiências de internação à força. Uma delas deu certo. O jovem está em casa, seguindo uma nova vida. Outro exemplo, nas mesmas condições, não funcionou. Levamos o jovem à clínica, onde ficou durante meses, mais de um ano. Ao sair de lá, foi direto para a rua e voltou a usar o crack. Hoje, só de nos ver, ele foge. Não dá abertura ao diálogo. Esse não vamos conseguir salvar", lamenta-se Araújo.

Para a Prefeitura de Vila Velha, mesmo com riscos, a internação compulsória é vista como única solução. O município está elaborando uma lei que permita - tendo apoio da Justiça, da polícia e de áreas para tratamento de dependentes químicos - esse modelo. "Vamos acabar com as cracolândias em 2012. Hoje, são 12 pontos de uso de drogas. E em todos eles acontecem crimes menores, ligados ao crack", diz Ledir Porto, secretário municipal de Ação Social.

foto: Chico Guedes
 ES - VitÃ?ria - Rosangela Candido, 36 anos, e Adijefeson Roseno, 28 anos, os dois sâ??o casados e juntos conseguiram se livrar do vÃ?cio de crack - Editoria: Cidades - Foto: Vitor Jubini
Realidade  nas ruas
30% dos moradores de rua em Vitória usam crack, periodicamente. São 67 de 218 pessoas.

15% dos moradores de rua em Vila Velha  que usam crack aceitaram tratamento após abordagem.
Urgência

Porto afirma que essa internação vai ocorrer em algumas condições: nos casos de grávidas, de usuários com doenças graves e de crianças e adolescentes. "Nesses quesitos, não haverá diálogo. E as equipes de abordagem permanecem em ações coletivas na limpeza das cracolândias", defende.

"Meu medo é que os usuários de lá só mudem de local. É empurrar o problema para a cidade vizinha. E Vitória vai sofrer com isso", critica o coordenador da área na Capital. Por enquanto, o governo federal vê com bons olhos grande parte de projetos e ações que contribuam com a redução - e até eliminação - das cracolândias.

No último dia 8, a presidente Dilma Rousseff aprovou um orçamento de R$ 4 bilhões para combater o consumo da droga, com um conjunto de ações. Parte da verba é para leitos públicos, o que falta no Brasil.

Vila Velha fará parcerias e construirá uma unidade de tratamento para acolher os viciados de crack. "Lançamos o projeto da adoção, com igrejas contribuindo no tratamento de, pelo menos, um dependente cada uma. Também teremos parcerias com mais casas terapêuticas", diz Porto.

Projeto

Para ajudar no tratamento, no programa da União está prevista a criação de 2.462 leitos em enfermarias especializadas em dependência química, todos criados no Sistema Único de Saúde (SUS); e 2,8 milhões de alunos da rede pública de ensino vão ter ações de prevenção.

A União ainda esperar criar 308 Consultórios de Rua (Vitória já tem o seu), com médicos, psicólogos e enfermeiros. Eles farão busca ativa de dependentes e avaliarão se a internação pode ser voluntária ou involuntária. Nesse caso, a necessidade deve ser comunicada ao Ministério Público, em 72 horas.

Em nível estadual, por aqui, não há intenção nem previsão de iniciar a internação compulsória, segundo a Secretaria de Saúde (Sesa). Hoje, 12 Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) estão em construção, no Estado, e cada prédio custa R$ 1,5 milhão. Além disso, a Serra pretende abrir 40 vagas para internação na Unidade de Tratamento da Dependentes Químicos, que vem construindo em Muribeca. O espaço será inaugurado até junho de 2012. Até lá, a Capital deve começar a construir sua unidade, na região de São Pedro, também com leitos de internação.

A Serra ainda espera construir um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) voltado a crianças e adolescentes e implantar o serviço de Consultório de Rua até o início do próximo ano. Em Cariacica, a prefeitura aguarda a conclusão do Centro de Tratamento de Toxicômanos, em Tucum, para atender a até 200 usuários por mês.
 
 Maurílio Mendonça
mgomes@redegazeta.com.br

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