Em um remoto vilarejo no interior de Fiji, o arquipélago composto por
mais de 300 ilhas no Pacífico sul, um menino cresceu com as galinhas.
Sujit Kumar perdeu os pais ainda criança. A mãe cometeu suicídio e o pai
foi assassinado logo depois. Sem saber o que fazer com o menino, os
avós colocaram o garoto no galinheiro, no andar debaixo da casa. Lá, ele
viveu por seis anos.
O menino dormia no poleiro, se alimentava com as
galinhas e aprendeu a andar e a se comunicar como os animais. Sujit
Kumar nunca foi ensinado a falar, mas sabe cacarejar. Ele sacode a
cabeça e cisca como os galináceos. Durante toda sua vida, pegou a comida
com a boca em formato de bico ou as pontas dos dedos unidas, tentando
imitar os bichos ao "bicar" os alimentos.
Sujik Kumar não tinha contato com o mundo exterior. Sua
família e seus amigos eram as aves com quem conviveu até ser removido
pelo poder público, aos 8 anos de idade. Era para ser a salvação do
menino, mas a mudança se transformou em outro triste capítulo de sua
história. No final dos anos 70, Fiji não tinha orfanato.
Sem chances de ser adotado por causa do seu
comportamento, Sujit foi colocado em um asilo de idosos. Ele
praticamente não havia visto gente durante a maior parte da vida; então,
muitas vezes, se tornava agressivo. Por isso, ficou os 22 anos
seguintes preso à cama, amarrado com lençóis. As cicatrizes ainda estão
bem claras em volta de sua cintura. Sujit passou o final da infância, a
adolescência e grande parte da vida adulta dentro do quarto. Era ali que
comia e fazia suas necessidades.
No final de 2002, a visita de um grupo do Rotary Clube
seria o começo de uma nova vida para o "garoto-galinha", como ficou
conhecido pela comunidade. Elizabeth Clayton fazia parte da comitiva que
foi doar mesas de plástico para a instituição. A australiana era uma
empresária de sucesso, que fez fortuna fabricando e exportando móveis em
Fiji, para onde tinha se mudado há dez anos. Poucos meses antes do
encontro com Sujit, ela ficou viúva. O marido Roger Buick morreu
tentando escalar o monte Everest.
Vida nova
Elizabeth nunca esquece o
primeiro momento em que viu o rapaz. “Ele estava tão debilitado e
mal-tratado. Apanhou no rosto e tinha os dedos inchados, além dos dentes
e o nariz quebrados. Quando o vi, eu não sabia se era uma criança ou um
homem. Sua aparência era decrépita. A barba estava longa e as pessoas
pensavam que ele era selvagem", recorda. Naquele momento, ela tomou a
decisão que mudaria também seu próprio destino. “Eu vi um brilho nos
olhos dele. Não podia simplesmente virar minhas costas”, declarou.
As frequentes visitas ao asilo aumentaram o vínculo
entre os dois, até que Elizabeth decidiu levar o garoto para morar com
ela. Precisou de muito amor e paciência para superar a fase inicial.
“Ele ‘bicava’ a parede e coisas assim. Sujit também não conseguia dormir
na cama; então, se levantava e se empoleirava na cadeira, por exemplo”,
conta.
Da mesma forma, o rapaz usaria o vaso sanitário. Algumas
vezes, o comportamento era violento. "Ele me mordia, me arranhava e me
empurrava. Meu maior sonho é que ele seja independente nos seus hábitos
pessoais. Assim, conseguirá escovar seus dentes, ir sozinho ao banheiro e
até se barbear. Meu maior sonho, na verdade, é que ele consiga falar",
diz.
Para se dedicar totalmente a Sujit, Elizabeth vendeu o
negócio e viajou com o garoto para a Austrália, onde consultou diversos
especialistas: fonoaudiólogos, patologistas, professores de educação
especial, neurologistas. Sujit Kumar sofre de epilepsia.
"Por causa das crises, os familiares pensaram que era um
espírito demoníaco e daí quiseram se livrar dele. Lá (em Fiji), as
pessoas pensam que o espírito do mal é a causa dos problemas da
família", explica. "Ele era muito selvagem quando criança. Você não pode
controlá-lo, porque ele tem problemas mentais, quero dizer, epilepsia.
Ele não entende nada, não pode falar", conta o primo Bob Kumar.
Casa Feliz
A dedicação de Elizabeth ao garoto
recebeu críticas e enfrentou resistências. O irmão da australiana chegou
a dizer que era uma “perda de tempo, porque Sujit é animalesco e não
vai melhorar". Já governo de Fiji tirou o rapaz da casa dela. "Eles não
me deram nenhuma explicação. Fiquei devastada e chorei muito. Eles não
perceberam a importância do nosso vínculo. Tinha que lutar por ele e
acabei nos tribunais", recorda. No dia do julgamento, Sujit correu para
os braços dela e o juiz acabou concedendo a custódia.
A história da australiana ajuda a explicar tamanha
devoção. Ela era casada, mas nunca viveu na mesma casa com o marido.
Eles tinham um acordo em relação à filha. A mãe cuidaria da menina até
os 12 anos de idade e Roger Buick assumiria a menina dos 12 aos 18 anos.
Quando acabou o prazo, Elizabeth se mudou para Fiji.
"Ela era bem moderna para aquela época. Não lembro da
minha mãe cozinhando, por exemplo. Essas atividades mundanas de cuidar
de marido e crianças ou fazer uma refeição à mesa juntos definitivamente
não faziam parte da mentalidade da minha mãe", afirma a filha, Tiffany
Wills. "Minha ida a Fiji tirou muito do meu tempo com Tiffany. Se eu me
arrependo de uma coisa na vida, é não acompanhá-la durante sua
adolescência", lamenta a mãe.
Elizabeth também foi abusada quando pequena. "Acho que é
por isso que ela tem um coração enorme para crianças vulneráveis",
analisa Tiffany. "Aquilo me fez mais corajosa. Não hesito em enfrentar
os predadores de crianças. Essa é uma das razões pelas quais faço o que
faço: alguma coisa boa deve vir de algo que não foi agradável para mim",
acrescenta.
Com cerca de 40 anos (já que ninguém tem certeza
absoluta da verdadeira idade do rapaz), Sujit ainda não consegue falar,
mas já se comunica através de gestos. Quando quer água, ele pega um
copo; quando quer passear, ele pega a chave do carro. De vez em quando,
Sujit ainda sacode a cabeça, cisca ou pega a comida com as pontas dos
dedos, mas está aprendendo. Ele já caminha quase normalmente e circula
entre as pessoas sem medo.
Elizabeth investiu o dinheiro da venda da empresa na
criação de um lar para crianças. Hoje, a australiana recolhe meninas e
meninos nas ruas de Fiji e vive com eles no local chamado "Happy
House" (Casa Feliz). Sujik Kumar mora lá também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário