Cabeça do lobo exposta na parede de troféus para quem quiser ver
Foto: BJÁ
Passei uma semana prestando serviço a
compadre que mora no balneário de Vilas do Atlântico, em Lauro de
Freitas, com a missão de capturar uma cabeça de lobo voadora que estava
atormentando uma rua daquela comunidade e já havia, comido um galo
pedrez de um dos seus vizinhos, escurraçado a gata branca de dona
Gracia, outra vizinha, assombrado as filhas de Sêo Félix que, por medo
já não estavam frequentando a escola, e comido ovos de ninhos de
rolinhas isso em compadrio com um mico cara rajada.
O medonho estava apavorando a todos daí que fui convocado para
capturá-lo, pois, se vocês não sabem também faço esse tipo de serviço
além dos tachos de cobre que produzo em minha oficina.
E, embora não seja o bispo dom Gregório, eventualmente, trabalho
exorcizando "Pés-de-Botelho" em pessoas possuidas. Não vou dizer que
esse lobo voador seja um manfarico, porque depois que capturei-o vi que
se tratava de um lobo malassombrado, assim como tem a mula sem cabeça,
há lobos sem corpos que voam numa velocidade impressionante, mais do que
os objetos do quadriciclo de Harry Poter.
Não foi tarefa fácil essa de capturar esse medonho e nos primeiros
dias comi o pão que o diabo amassou para pegá-lo, sem conseguir.
Primeiro achei que poderia fazer o trabalho sozinho, mas, ledo engano,
tomei um baile do voador nas investidas iniciais esperando-o escondido
atrás de um pés de ixórias gigantes, disfarçado de uma delas em flor
amarela. Quando o medondo apareceu para se refrescer na piscina do
"home", noite de lua, saltei fora das plantas e dei o bote, porém, o
bicho era visgoço e como um raio escapou de minhas garras soltando um
uivo atormentador.
Dia seguinte tomei uns conselhos com Aninha de Zipriano, especialista
em magias, e ela recomendou que fizesse uma armadilha com uma galinha de
bozó, meia duzia de acarajés e uma garrafa de proseco italiano com uma
substância sonífera dentro, tudo bem exposto, para que, quando o lobo
voador provasse da comida e da bebida ficasse tonto e aí seria moleza
pegá-lo.
Deu
errado porque o medonho tomou quase toda a garrafa de proseco, comeu
três acarajés, e quando eu achava que ele estava tonto, isso nas
proximidades de uma amendoeira às margens do Rio Sapato, o bicho deu um
rodopio com a minha proximidade saiu zunindo por sobre as águas do rio
que foi parar, suponho, lá na desembocadura do Joanes, segundo
testemunhas que viram o objeto voador na colonia de pescadores de Sêo
Tourão.
Inclusive teve um pescador que vinha de uma puxada de peixe numa
jangadinha que ficou tão apavorado que caiu n'água pensando que se
tratava de um meteorito e pudesse lhe fazer mal, quase perdendo duas
arraias grandes que havia fisgado no mar de Busca Vida.
Creio que para zombar de mim, teve um dia de domingo, praia lotada de
gente o voador deu uma rasante sobre as tendas da barraca Odoyá causando
pavor, dona Maria do Acarajé ainda tentou abatê-lo com sua colher de
pau, o bicho uivou sobre o longue da barraca Mare Blu apavorando
moçoilas que curtiam o sol e sairam correndo e derrubando garrafas de
cerveja ao solo e se chocou com a bola de volei da turma do Cori, na
barraca da Gávea, furando-a, e se dirigiu ao mar como se fosse um
kitsurf a jato.
Aí meu compadre me recomendou que falasse com Irará Perfumoso, o
camarada que limpla seus coqueiros, pois, disse que esse camarada é
ardiloso e poderia ajudar na captura.
E não é que deu certo! Irará trouxe de casa uma rede de pegar morcegos
que teceu com linha de aço e nós montamos a rede na curva da rua da
Gávea, por onde sempre o mendonho passava fazendo suas piruetas, nos
escondemos às margens do rio Sapato embaixo de uma árvore em campana
durante à noite e quando deu meia noite, eu com as garras de fora, o
bicho apareceu feito um boeing, passou pela Pousada Magia das Flores e
se bateu de tal forma na rede que ficou com o fucinho preso.
Aí nos aproximamos do medonho rapidamente, Irará portando um fação que
corta as palhas dos coqueiros e um vidro de Toque de Amor, e eu pus
minha maior garra de fora, e pegamos o medonho pelas orelhas e colocamos
dentro de um saco de alinhagem sufocando o danado até que ele esmureceu
e apagou de vez embebido no tal perfume.
Não pense que foi assim uma coisa fácil. Teve luta corporal de uma
meia hora porque o bicho, mesmo preso pelo fucinho e depois posto no
saco de alinhagem ainda tentou voar, saiu nos arrastando até a borda do
rio, Irará escorregou e ainda bebeu água, e eu fiquei firme segurando
suas orelhas até dominá-lo por completo.
Dia seguinte houve uma reunião no Clube de Vilas para
apresentar o troféu com a presença de todos nós, meu compadre usou da
palavra, Irará distribuiu cartões de visitas para quem quizesse
contratar seus serviços de cortador de palhas de coco, Aninha de
Zipriano vestiu um longo arrepiante, e eu estive discreto usando minha
capa colonial para que ninguém zombasse dos meus pelos.
Recebemos, inclusive, condecorações da Salta, a organização de
segurança e amparo dos moradores do balneário, medalhas douradas que
ostentamos em nossas lapelas.
Depois, em nova solenidade, já com a cabeça do bicho empalhado, aí com
as presenças de parentes nossos, um colberzão da Feira, um lapão do
Quijingue, a vampira do Araci, autoridades amigas de meu compadre do
município de Lauro, o danado foi posto empalhado na parede na galeria de
preciosidades do meu compadre junto a sua churracaria.
De volta a Serra, minha neta Sol já sabendo do acontecido e da minha
façanha, perguntou: - Meu vô esse Lobo não vai querer se vingar da
gente?".
Eu respondi: - Como sua vó EsterLoura deu pra frequentar sessões espíritas, creio que só vem por acá noutra encarnação.